fogo cruzado: ciência básica x ciência aplicada

Junho 20, 2010 § 8 comentários

Há pouco mais de 15 anos, quando estava me familiarizando com o ambiente da pesquisa acadêmica, o debate entre pesquisa básica e pesquisa aplicada estava passando por mais uma “definição”.

Era já tido como “ultrapassado”, sendo praticamente um consenso não ser possível desvincular uma da outra e nem considerar uma mais ou menos importante que a outra.

Lembro de ouvir muitas vezes, nos espaços acadêmicos de discussão, exemplos tidos como ícones desse consenso. O mais “clássico”: a eletricidade, sem a qual não conseguimos conceber toda a estrutura da sociedade contemporânea, seria impossível não fosse a ciência básica de Faraday.

Mais de 15 anos depois, um lastimável incêndio no Instituto Butantan reaviva a discussão. O incêndio destruiu 82 mil espécimes de serpentes e cerca de 450 mil aranhas e escorpiões reunidos por pesquisadores e colaboradores nos últimos 120 anos. A coleção científica herpetológica (serpentes) era a maior e a mais importante do mundo – veja mais (texto e vídeos) em: perda sem fronteiras.

Do apurado até o momento, a culpada é uma pane elétrica no prédio (sim, inacreditavelmente não havia um bom sistema de preveção de incêndios), o que levantou a lebre sobre o estado precário em que se encontram muitas coleções biológicas no país (além da coleção atingida no Butantan, vêm sendo citados como exemplos ao mesmo tempo de importância e abandono as coleções do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, o Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, e o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

A partir dessa constatação, muito se tem falado sobre a necessidade de mais investimentos em ciência básica, usando como exemplo a trajédia ocorrida em uma instituição que vem negligenciando esta alegadamente em prol do desenvolvimento da ciência aplicada – leia mais em: a lógica reducionista da fábrica de soros.

A discussão pegou fogo mesmo quando o ex-diretor do Instituto, afastado por suspeita de desvio de verba, disse com todas as letras, em entrevista à Folha de São Paulo, que o acervo “é uma bobagem medieval” , que a “função do Butantan é fazer a vacina” e que “não dá pra cuidar das duas coisas” – leia mais em: guardar cobra é bobagem, diz Isaias Raw.

As estapafúrdias declarações de Raw provocaram indignação na comunidade científica – leia mais em: Butantan e as palavras fora de hora. Um tanto porque a alegada priorização da pesquisa aplicada (vacinas) é uma falácia, já que o Butantan até hoje não produziu uma única dose de vacina e sequer requereu à Anvisa avaliação da fábrica de vacina contra a gripe.

Mas além de engrossar um pouco as páginas policiais e ampliar a lista de cretinices made in Brazil, o incêndio no Butantan acabou também reavivando  a discussão até então ultrapassada, já que muitos acadêmicos sentiram a necessidade de defender a importância da ciência básica. Um exemplo é a entrevista com Willy Beçak, fundador e ex-presidente da Fundação Butantã, publicada hoje no Estadão, da qual extraio os seguintes exertos:

Um dos argumentos usados pelo doutor Isaias Raw após o incêndio na coleção é que não havia recursos para tudo e que era mais importante produzir vacinas que “colecionar cobras”. Esse argumento é válido?

Até seria aceitável de alguém que não é da área. Agora, é inaceitável que um cientista diga que é mais importante produzir que pesquisar. Porque não são argumentos antagônicos, são complementares. Só pode haver produção boa se houver desenvolvimento tecnológico bom; só pode haver tecnologia boa se tiver ciência boa. Grande parte do que o Butantã tem é porque ele manteve uma coleção de cobras que puderam ser investigadas, não só do ponto de vista morfológico, mas também das propriedades químicas de seu veneno. Então é um argumento absurdo, emitido por alguém que não poderia ignorar esse tipo de coisa.

Mesmo considerando que a função principal da coleção é a descrição de espécies – algo que não salva a vida de ninguém. Essa ciência básica também se encaixa na missão do Butantã?

Claro, pois tudo começa da base. Se Lineu (inventor do sistema de classificação de espécies) não tivesse dado nome a cada animal e planta que encontrou, hoje não saberíamos do que estamos falando. Por exemplo, existem cascavéis que produzem uma molécula chamada crotamina, da qual foram isolados princípios importantes. E há cascavéis que não produzem. São serpentes do mesmo gênero, mas eu preciso estudar desde a morfologia até o veneno para saber porque uma produz a substância e a outra, não. Sem essa morfologia e sem esses nomes, a gente estaria falando do quê? De uma cobra. Mas que cobra? […]

Tudo isso só pra externar uma indignação: por que raios 15 anos depois da última vez que o debate pesquisa básica x pesquisa aplicada já havia sido considerado “resolvido” ainda estamos patinando nisso?

Sim, o debate é a essência do conhecimento científico, mas algumas coisas já estão resolvidas e claras (é preciso investir tanto em ciência básica quanto em ciência aplicada); porque então não passamos à execução delas? Vamos parar de andar em círculos e travar o próximo debate, que já estamos atrasados demais para ele!

Leia mais:

=> sobre ciência básica x ciência aplicada:

=> sobre a importância das coleções biológicas e museus de história natural:

=> sobre o estado de algumas das principais coleções biológicas no Brasil:

Atualização em 26/06/2010: Corrigindo uma falha gravíssima, adiciono agora o link para um programa especial sobre o incêndio no Butantan no podcast Dispersando, mais uma iniciativa de divulgação científica do pessoal do Science Blogs Brasil.

ensino superior? não queira imaginar o inferior…

Dezembro 1, 2009 § 2 comentários

Li ambos os artigos no Jornal da Ciência de ontem. O primeiro parece uma má notícia, não?

Brasil não atingirá meta para ensino superior, diz MEC

Plano Nacional de Educação para 2011 almejava pelo menos 30% da população de 18 a 24 anos na universidade; taxa líquida de 2008 é de 13,71%.

O segundo parece pior, não?

Cresce total de alunos em universidade ruim

Instituições com notas baixas em avaliações federais tiveram aumento de 11% nas matrículas em 2008, segundo censo do MEC.

Ao ler isso, alguém mais lembrou que o último concurso para contratação de garis no RJ atraiu 45 candidatos com doutorado, 22 com mestrado, 1.026 com superior completo e 3.180 com superior incompleto?

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Caso você queira mesmo imaginar o “inferior”, tem um um pouco aqui nesse outro post: a educação dos educadores.

quem é “do mal”: biocombustível ou jornal?

Outubro 23, 2009 § 14 comentários

Brinque comigo! Faz de conta que você resolveu ler algumas das principais notícias das seções de ciências/tecnologia/saúde/vida/ambiente ou qualquer combinação entre essas (tanto faz, essas divisões não funcionam muito bem mesmo). Isso nos principais jornais do país.

Faz de conta que você começou com O Estado de São Paulo e se deparou com essa manchete: Cientistas alertam para perigo do uso de biocombustíveis. Daí você resolve ver do que se trata, afinal estamos às vésperas da COP-15;  mergulhados no hip-hip-hurra do pré-sal; recém recuperados da celeuma gasolina x álcool; imersos em propagandas, produtos e campanhas “verdes” etc.

E logo na primeira frase lê que:

Uma nova geração de biocombustíveis, que deveria representar uma alternativa de baixa emissão de carbono, irá, na média, emitir mais dióxido de carbono do que a queima da gasolina ao longo das próximas décadas, diz estudo publicado na revista Science.

Termina de ler o curto e não muito esclarecedor artigo um tanto preocupado e vai atrás de mais informações. NO Globo encontra a seguinte manchete: Cientistas alertam para emissões na produção de biocombustíveis. Aqui você já começa a achar que biocombustível é “do mal” mesmo, afinal um estudo que “mostra isso” saiu na Science e foi divulgado em dois dos maiores jornais do país.

Mas faz de conta que você não tem mais nada o que fazer da vida e resolveu brincar de rastrear essa notícia por aí. Já que o artigo dO Globo cita como referência a BBC Brasil, essa é a sua próxima parada no jogo. Lá você encontra o artigo Cientistas alertam para emissões na produção de biocombustíveis e constata que é, como esperado, igualzinho ao anterior, que começa da seguinte forma:

Cientistas americanos dizem ter identificado uma “falha” nos cálculos de emissões de gases que provocam o efeito estufa que poderia ameaçar a tentativa de reduzir as emissões e incentivar o desmatamento: os acordos internacionais sobre o tema não incluem os gases emitidos na produção e uso de biocombustíveis, apesar de o processo ser grande fonte de emissões.

Nessa rodada você ganha uma interrogação: o problema está no biocombustível, na produção deste, na queima deste, no desmatamento… no quê? Salte duas casas para descobrir.

Faz de conta que você chega no jornal Folha de São Paulo, mais especificamente na matéria que tem a seguinte manchete: Biocombustível será bom para o clima, indica simulação. Heim? Mas emissões de gases intensificadores do efeito estufa não podem ser maléficas? E aquele papo todo de aquecimento global? O jeito é continuar lendo:

O medo de que uma economia mundial baseada em biocombustíveis seja um tiro pela culatra no combate ao aquecimento global não tem muito fundamento, indica um novo estudo. Simulando um futuro em que os combustíveis fósseis seriam substituídos, pesquisadores concluíram que o cenário mais provável é um em que álcool e biodiesel possam mesmo ajudar a evitar emissões de gases do efeito estufa.

Você está na rodada decisiva. Pode decifrar o enigma e ganhar o jogo ou perder tudo. Decide tirar seu inglês do baú e ir às fontes. Afinal, se todos estão falando do mesmo estudo, como você pode ter chegado a uma leitura tão esquizofrênica? O jeito é ler o artigo diretamente na Science.

A Science não é open access, volte cinco casas. E agora? Você chegou em um ponto do jogo em que não há regras. E a bola está com você: quem é “do mal”, biocombustível ou a forma como a divulgação científica é feita na nossa “grande” imprensa?

Atualização em 01/11/09: Em tempo, aqui temos uma análise mais esclarecedora sobre o referido estudo: Biofuels Come With Their Own Emission Costs.

change! change! change!

Outubro 11, 2009 § 18 comentários

Em homenagem ao fato de Mr. Obama ter abocanhado o Nobel da Paz por boas intenções, resolvi mudar o visual do blog.

Isso é coisa que já venho querendo fazer há tempos, mas não encontrava nenhum tema que me agradasse. Sou adepta do estilo “menos é mais” e normalmente os temas pré-formatados têm muita coisarada.

Mas confesso que já estava um tanto enjoada da cara sem cara do blog e um tantinho de cor não faz mal a ninguém. Há ainda o fato de o maridão, com muito mais senso estético que eu, sempre alertar que as serifas do tema anterior dificultavam muito a leitura.

O incômodo final veio quando vi uma página do blog projetada na tela da apresentação de Bernardo Esteves, editor da Ciência Hoje, durante o II EWCLiPo. Ele estava mostrando alguns blogs como exemplo de conteúdos sobre ciência na blogosfera e quando vi o meu só consegui pensar: que feioso!

Espero que os leitores mais assíduos aprovem a mudança! Há ainda acertos a fazer. Por exemplo, vi que muitas imagens de posts anteriores ficaram cortadas no novo tema, será preciso diminuí-las um tanto. Mas vou fazendo isso aos poucos, nos intervalos dos trabalhos.

E, como sempre, estou aberta a comentários, sugestões e críticas construtivas!

Atualização em 13/10/09 – o blog também ganhou uma página nova aí na barra lateral: vídeos selecionados.

chapando o co… colete!

Setembro 10, 2009 § 7 comentários

Defesa do Cerrado, discurso anti desmatamento na Amazônia, chacota com o 3X1 da seleção brasileira em cima da Argentina, brados de “viva a natureza” e uma certa invejinha da liberdade de nuestros hermanitos con la marijuana. Isso e muito mais em “aparição” do Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, embalado por Tribo de Jah, num show em 06/09/09 na Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

Procurada pela reportagem [da Agência Estado], a assessoria do ministro afirmou que Minc compareceu ao evento “de livre vontade”. “Ele estava na região com um amigo e resolveu conferir o evento”, disse. A assessoria confirmou que o ministro subiu ao palco a convite dos integrantes da banda e, no momento do show, estava relaxado.

Leia matéria completa no Estadão Online.

Como era de se esperar, os protestos indignados já começaram.

Que dirá Lula dessa vez? Já tinha jogado pré-sal por cima da lama do Senado e das declarações confusas de Dilma, tava tudo indo tão bem, talvez até assasse um coelhinho em breve e aí…

Eu só tenho uma declaração a fazer: adoro a internet!

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