a ciência no cotidiano – o cérebro de Nicolelis

Setembro 13, 2009 § 2 comentários

Vocês já viram a nova propaganda da Nextel com o Miguel Nicolelis? Eu ainda não vi na TV, mas já tá rodando na internet – melhor coisa! – como no blog da Neurocientista de Plantão.

Agora escolha uma das alternativas abaixo de acordo com sua opinião (o espaço de comentários é grátis!):

A – não entendi nada: o que o Santos Dumont tem a ver com o mal de Parkinson e quem era aquele cara?;

B – que absurdo! Os cientistas não se dão mais ao respeito não?

C – bonitinho o vídeo e a vó do Nicolelis deve ser muito legal.

D – coitados dos cientistas, precisam fazer cada coisa pra arrumar verba pras pesquisas…

E – eu também sou cientista e também quero aparecer na TV, alguém sabe o telefone da Nextel?

Eu assinalo a alternativa C e já-já justifico a escolha. Antes alguns esclarecimentos para aqueles que pensaram em assinalar a alternativa A.

O cientista e sua ciência

Miguel Nicolelis é um neurocientista brasileiro que desenvolve pesquisas na  Universidade de Duke, nos EUA (site do seu laboratório) e é mentor do Instituto Internacional de Neurociências de Natal.

Em linhas bem gerais, ele vem desenvolvendo diversos métodos para captar a informação motora deflagrada por disparos elétricos dos neurônios e então reproduzir os movimentos espaciais ditados por ela em artefatos robóticos.

Você já ouviu o termo brainstorm (brain = cérebro; storm = tempestade)? Os neurocientistas usam esse termo para se referir aos disparos elétricos dos neurônios durante o processo de comunicação no cérebro. É assim: se você pensa, anda, lembra de algo ou se coça, os seus neurônios passam informações uns aos outros, permitindo que você consiga executar essas tarefas. Se você conseguisse olhar para uma população específica dentre os diversos neurônios de um cérebro, veria que uma hora os neurônios dessa população disparam mais e hora disparam menos, dependendo do grau de participação na atividade que a pessoa está fazendo naquele momento.

Essa é a representação da atividade elétrica de uma população de neurônios na tela de um programa computacional. Clique na imagem para vê-la em tamanho maior (Fonte: Fesbe)

Essa é a representação de um brainstorm (atividade elétrica de uma população de neurônios) na tela de um programa computacional. Clique na imagem para vê-la em tamanho maior (Fonte: Fesbe)

Pois os neurocientistas conseguiram fazer isso usando eletrodos que captam a informação transmitida pelos neurônios durante a comunicação cerebral. Ou seja, os eletrodos leem o brainstorm. Isso é feito por implantes cerebrais, que são matrizes de  eletrodos implantados no cérebro, no caso, de macacos – mais especificamente no cortéx, a região mais externa do cérebro.

O grupo de Nicolelis começou com implantes capazes de registrar ao mesmo tempo a atividade elétrica de 100 neurônios localizados em cinco diferentes áreas corticais envolvidas na transformação de uma informação visual em uma ação motora.

Depois, no Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, eles foram desenvolvendo implantes cada vez melhores, no sentido de registrarem maior quantidade de neurônios por vez e ao longo de um período de tempo também maior. Essas informações são lidas em tempo real e decodificadas por computadores que, em processo de inteligência artificial, vão aprendendo a sequência de comandos digitais que correspondem a determinada ação motora do macaco.

Esses comandos digitais determinam a reprodução dos movimentos do macaco em um artefato robótico. O conjunto todo é denominado de interface cérebro-máquina.

O ciclo é fechado com o envio dos sinais sensoriais artificiais do artefato robótico para o cérebro do macaco o feedback do movimento do artefato robótico para o macaco. Assim, o macaco pode visualizar o movimento do artefato robótico e, depois de um tempo, aprender que este é devido ao planejamento do movimento realizado por seu cérebro.  [atualização em 15/09/09: corrigi a frase anterior – obrigada pelo toque, Barbareta!] Essa última etapa permite que o macaco nem execute um movimento propriamente dito no experimento, mas simplesmente imagine o movimento (os neurônios disparam a informação do planejamento do movimento) que, no final das contas, será executado pelo artefato robótico.

Fonte: G1

Clique na imagem para vê-la em tamanho maior. Fonte: G1

O primeiro artefato robótico usado foi um braço mecânico, que realizava os movimentos pensados por uma macaca (veja exemplo aqui).

Em seguida, Nicolelis ousou mais: conseguiu fazer com que um robô no Japão andasse a partir dos movimentos planejados pelo cérebro de uma macaca que estava nos EUA. Nicolelis brinca que essa é a primeira interface cérebro máquina transcontinental já posta em operação. Observe no infográfico acima o esquema do experimento.

Nesse artigo na revista Scientific American Brasil, Nicolelis e Chapin (cientista de seu grupo de pesquisa) explicam em mais detalhes esses e outros experimentos. Há também fotos e esquemas dos experimentos e apresentação das aplicações futuras como, por exemplo, a locomoção de pessoas com paralisia.

Fonte: revista Isto É

Clique na imagem para vê-la em tamanho maior. Fonte: revista Isto É

A pesquisa que abre uma porta para o tratamento do Mal de Parkinson  (mencionada na propaganda da Nextel e resumida no infográfico ao lado) é um dos últimos passos que Nicolelis deu até agora. Há uma ótima explicação sobre ela em 3 minutinhos aqui (em vídeo que foi finalista no The Scientist Video Awards) e aqui (em reportagem na revista Pesquisa Fapesp).

E aqui você encontra as entrevistas dadas por Nicolelis para diversos jornais e revistas explicando estes e outros experimentos, bem como falando de sua avó, de Carlos Chagas, de Santos Dumont, do Palmeiras (tem gosto pra tudo, fazer o quê…), do Instituto de Neurociências, dos projetos de educação científica de crianças e adolescentes e sobre formação dos professores.

Post scriptum

1- Sobre a enquete, a explicação para escolha da alternativa C estará no próximo post! Não percam!!!

2- Agradeço o @dougsd3, que trouxe a discussão à tona lá no Twitter e acabou me dando ideia para esse post.

Atualização 02/11/09: Vale muito a pena ver o post O que Bruce Willis têm em comum com um neurocientista brasileiro?, do cientista e diretor de pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Stevens Rehen, em seu blog. Ele explica a relação entre o filme Substitutos (Surrogates, Touchstone Pictures, 2009) e o trabalho de Miguel Nicolelis.

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§ 2 Responses to a ciência no cotidiano – o cérebro de Nicolelis

  • Luiz diz:

    Vi a propaganda e fiquei pasmo… o cara tá MESMO em campanha!
    Tb voto na C mas aqui em casa todo mundo ficou na A – não entenderam NADA!

    • trnahas diz:

      E aí, será que o post ajudou um pouco eles entenderem a pesquisa do Nicolelis ou ficou muito chatão?
      Eu achei bem legal ele ter aparecido na propaganda, em especial nessa que sempre apresenta um pouco da vida e da história da personagem. Já teve atleta, engenheiro etc, por que não um cientista? Cientistas são pessoas como qualquer outra, não? Com sua história, ideias, paixões… Achei legal a propaganda ter colocado assim.
      No próximo post pretendo falar um pouco disso: a humanização da figura do cientista. Se eu conseguir ser sucinta, pretendo falar também um pouco daquela pesquisa que vc fez com o Benta, sobre a imagem do cientista nos livros didáticos de ciências. Aliás, se tiver algum link do trabalho que eu possa citar como referência no post… Eu só tenho os docs que vc me mandou aquela vez que pedi socorro pra palestra em Natal, lembra?
      Beijão!

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