Lavar as mãos ou usar álcool em gel são mesmo medidas eficientes para evitar essa infecção?

Abril 10, 2020 § Deixe um comentário

Lavar as mãos é a principal recomendação para o combate ao novo coronavírus (SARS-CoV-2). Parece simples, não? Infelizmente não tanto… Nesta seção, vamos olhar para isso do ponto de vista histórico, bioquímico e social.

Começando com um pouco de história, você sabia não não faz muito tempo que começamos a lavar as mãos? Houve uma época, não muito distante, em que mesmo médicos realizavam procedimentos cirúrgicos sem lavar as mãos… mesmo depois de, algumas vezes, terem realizado autópsias em cadáveres! Isso começou a mudar a partir de um belo trabalho de pesquisa científica do médico húngaro Ignaz Semmelweis no século 19, em que ele conseguiu comprovar que lavar as mãos podia prevenir a transmissão de doenças. Infelizmente, seus resultados não foram bem recebidos de imediato, como podemos acompanhar no vídeo a seguir:

Não foi tão simples finalmente incorporarmos como um hábito os resultados da pesquisa de Semmelweis. Mesmo quando enfim o fizemos, depois identificamos que não é qualquer lavadinha de mão que tem boa eficácia. A segunda imagem que abre este post mostra a sequência correta para uma boa lavagem das mãos, tal como recomendado pela Organização Mundial da Saúde. É importante lembrar de partes geralmente esquecidas, como as pontas dos dedos, as costas das mãos e embaixo das unhas. Além disso, é preciso que o sabão fique tempo suficiente em contato com os patógenos que podem estar presentes nas mãos.

Mas por que lavar as mãos com água e sabão é uma medida tão enfaticamente recomendada para o combate ao novo coronavírus? Aí entramos um pouco na bioquímica a partir da primeira imagem que abre este post. Repare que esse vírus, além da cápsula proteica que protege seu material genético, tem um envelope lipídico. Os sabões também têm uma base lipídica… e aí a ação é mais ou menos a mesma de quando usamos o xampu para tirar a gordura (um tipo de lipídio) do couro cabeludo: os lipídios dos sabões e xampus atraem os lipídios do couro cabeludo ou da membrana do vírus, desintegrando-os. E depois a água “empurra” tudo para longe. Mas como a “mágica” acontece? Aí é que entra a química, já que lipídios são hidrofóbicos. As animações do vídeo abaixo (tem legendas em português) ajudam a entender a ação química dos sabões e também mostram a diferença entre lavar rapidinho e lavar da forma mencionada acima:

No caso do novo coronavírus, a perda de seu envelope lipídico expõe seu material genético, além de desagregar as proteínas que são usadas na entrada nas nossas células, levando à perda de sua eficácia química. Então lavar as mãos (e o resto do corpo e a roupa e as máscaras caseiras…) impede que essas superfícies tenham vírus viáveis para penetrar nas suas células e o que escorre pelo ralo abaixo não está íntegro o suficiente para infectar outras pessoas ou objetos. Viva Semmelweis!

Mas… e o álcool em gel? Em vírus envelopados como esse, o álcool promove a solubilização da camada lipídica e também pode danificar a estrutura proteica. Contudo, é fundamental que a a concentração de álcool seja em torno de 70%, pois os que são mais diluídos não se mostraram tão eficazes no combate ao vírus, já que há menor probabilidade de interação entre o etanol e a membrana lipídica. Há que se destacar ainda que concentrações alcoólicas muito elevadas, como superiores a 95%, além de serem altamente inflamáveis, não são recomendadas pelos danos na pele humana.

É por essas razões que, para passar nas mãos, recomenda-se o uso do álcool 70% EM GEL, que garante que o álcool fique atuando na superfície por mais tempo (lembremos que o álcool é volátil) e sem ressecar muito a pele. Além do fator tempo de contato com a superfície, há que se cuidar da quantidade: só um pouquinho não basta, é preciso realmente cobrir as mãos com o álcool em gel e deixá-lo chegar em todos os cantinhos (incluindo aquelas partes geralmente esquecidas, como as pontas dos dedos, as costas das mãos e embaixo das unhas). Mas muita atenção: esse produto ainda é bastante inflamável e, pior, pode não formar uma chama facilmente visível em contato com o fogo. Veja abaixo um vídeo de alerta feito por uma perita criminal e nem pense em cozinhar depois de limpar as mãos com álcool em gel. Nesse caso, o melhor mesmo é lavar as mãos com água e sabão.

O esquema abaixo, do ótimo site Compoud Chemistry, organiza um pouco essas informações (e lá também tem um outro esquema que compara quatro formas possíveis de limpeza do corpo e da casa no combate ao SARS-Cov-2):

Com o consumo do álcool em gel em ascensão em todo o mundo por conta da pandemia, uma história interessante e pouco conhecida sobre ele veio à tona: o produto foi desenvolvido por uma estudante de enfermagem na década de 1960. Preocupada com a higienização das mãos na impossibilidade de lavagem com água e sabão, Lupe Hernandez teve a ideia para essa solução prática e portátil. Ligado a isso, é preciso incluir duas ressalvas muito importantes. A primeira é que as soluções caseiras para elaboração de álcool em gel são perigosas e, portanto, não devem ser implementadas, como alertado nesta nota do Conselho Federal de Química.

A segunda entra no último aspecto que me propus a abordar neste post: o social. Quando pensou no uso do álcool em gel em situações em que não fosse possível lavar as mãos, Lupe estava buscando algo prático para o cotidiano do atendimento médico. Porém, uma realidade mais complexa nos preocupa no meio da pandemia que estamos vivendo: o álcool em gel é financeiramente proibitivo para famílias de baixa renda e o simples lavar de mãos com água e sabão também é incessível para muitos! O abastecimento regular de água potável, o tratamento do esgoto e a coleta de resíduos sólidos ainda não chegaram a milhões de brasileiros.

Esta matéria do Nexo apresenta alguns dados interessantes para termos um panorama do mínimo que falta para muitos brasileiros: além da dificuldade para lavagem frequente das mãos, entra em questão a precariedade das condições de moradia que inviabiliza o isolamento social em alguns locais, o acesso limitado aos serviços de saúde e tantas mais que tornam o enfrentamento da pandemia no Brasil um desafio que demanda ações enfáticas com a maior seriedade e urgência.

_ Agradeço muito a contribuição da química e querida amiga Ana Luiza Nery para este post!

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